quarta-feira, 1 de julho de 2009

Entrevista com Gustavo Spolidoro




Chica – Pra começar, um breve currículo. Gustavo Spolidoro: professor do curso de cinema aqui da PUC, produtor independente? Como que tu se creditaria?

Gustavo – É, geralmente eu boto isso: diretor cinematográfico, produtor, professor de cinema da PUC e coordenador de curadoria do Cine Esquema Novo. Mais ou menos esse é o resumo.

Chica – Dentro do projeto do DOCTV – com a chamada “quando a realidade parece ficção, é hora de fazer documentário”. Porque tu escolheu essa história?

Gustavo – Eu achei interessante essa coisa dos caras falarem “quando a realidade vira ficção tá na hora de fazer documentário” porque isso dava a liberdade que eu pensava. Porque quando se fala em documentário já é uma coisa mais quadrada, tipo aquela coisa: depoimento, imagem, nananã. E aí quando eu olhei aquilo ali eu pensei: olha! De repente tem chance de fazer um projeto diferenciado, que era o que eu queria fazer que era um projeto observacional. Já tinha essa ideia de passar um tempo com os caras morando em Cotiporã e vivendo o dia a dia da gurizada e tal. Minha avó é de Cotiporã, eu fui pra lá desde que eu nasci. No mínimo uma vez por ano a gente ia pra lá, geralmente na páscoa com toda a família, às vezes amigos. Até hoje volta e meia vai algum amigo e tal. E eu sempre curti a cidade, achei tudo muito bonito e é, realmente, muito bonito. Um monte de cachoeira pra tudo que é lado, caverna, passeios incríveis. Aí tu vai na casa dos caras lá e compra salame, compra queijo, compra copa, todo mundo te recebe muito bem. E eu sempre tive uns amigos, que eu sempre tinha desde a infância, uma gurizada. E teve um ano, lá por 90, que essa gurizada virou adolescente de repente. Viraram adolescente e tavam enlouquecidos, tava uma coisa de descobertas mesmo, todo mundo, aquela coisa. E eu vindo da cidade me achando: “ah! Sou da capital”, então imagina, vou chegar lá o super moderno, super cabeça aberta. E chego lá e foi justamente o contrário. Foi aquela gurizada naquele momento que me ensinou muita coisa. Eu sempre pensei talvez eu até faça cinema ou faça cinema da forma como eu faço ou que eu quero fazer, talvez muito por causa do que rolou naquele período lá. Que foi o fato de que aquela gurizada me fez perder o preconceito sobre um monte de coisa. Descobri outras histórias, abri minha cabeça prum monte de coisa e de repente aí é um pouco do conceito que eu tenho sobre cinema. Porque eu penso que o cinema é uma coisa livre. Não fixo na questão do documentário, pra mim não existe isso. Eu acho que o cinema é muito mais do que documentário, ficção, experimental ou animação. É muito mais do que comédia, drama, terror e não sei o quê. É muito mais do que uma comédia dramática ou uma comédia de costumes. Subs-subs-subs gêneros. E às vezes as pessoas perguntam: “qual é o gênero do teu filme?”. E é bizarro isso, porque às vezes tu vai pra outro país e os caras querem saber o gênero, tu tem que ter um gênero. Tchê! Eu não consigo trabalhar com gênero. Nem com gênero nem com faixa etária. Não consigo dizer ‘o meu filme é pra tal público’. Eu não sei, porque eu sô interessado em todos os tipos de filme. Eu com 15 anos via tudo que é tipo de filme já. Não importa o que é, porque eu gosto de cinema na real. Então eu tenho uma dificuldade imensa de dizer que tipo de filme é. E quando começou esse papo de “quando a realidade parece ficção” e tal, eu pensei: vou fazer uma outra história, fazer um filme que vai por outros caminhos, que é um filme feito por uma única pessoa, tentar fazer algo diferente. E aí legal, ganhou lá, foi aceito. E originalmente eu ia pra Cotiporã pra descobrir cinco adolescentes, essa era a ideia original.

Chica – Já tinha o projeto do Círculo, que é o projeto do longa de ficção?

Gustavo – Ah, então. Legal que tu falou isso, porque isso vem um pouco antes do encaminhamento do filme. Não me lembro qual foi a ideia que surgiu primeiro, se era a ideia de fazer um documentário e aí fazer uma ficção ou o contrário. Sei que logo em seguida já surgiu a ideia de fazer um projeto que pudessem ser dois filmes, que um fosse um documentário e outro uma ficção e que os dois fossem parecidos na maneira que fossem feitos. Porque de certa forma isso colocaria em xeque esses gêneros que a gente tava falando. Provavelmente se eu fizer o Círculo, que espero que faça, vai ser muito parecido. Provavelmente vou trabalhar com outros tipos de jovens e não com jovens da comunidade mesmo até porque envolve questões mais delicadas, questões sexuais, questões com a igreja. E pegar pessoas de verdade – que eu acho que é a única diferença entre o documentário e a ficção, isso foi até o João Moreira Salles que falou um dia que eu questionei ele sobre isso. Então a ideia é pegar a gurizada da região, mas pra viver personagens. Pra viver mesmo, morar com os caras lá, ficar morando numa casa com uns caras como se fossem os pais deles e o filme vai surgir muito em cima disso.

Chica – Sobre o Círculo, essas questões sexuais e da igreja, são baseadas em alguma realidade?

Gustavo – Sim, sim. O Círculo é totalmente a minha adolescência lá, as minhas descobertas. Mas não só lá em Cotiporã, eu peguei várias coisas autorais e botei...

Chica – Mas tinha o toque de recolher às 22h?

Gustavo – Sim, sim. Na época tinha. Não era um toque, não tocava sirene nem nada, mas fechavam os bares, não podia ter festa nem nada. Era muito imposto pela igreja e tal. Claro que na hora que tu vai escrever um roteiro tu vai muito além né, tu ultrapassa tudo isso. E no documentário também. Tem uma cena lá que os caras gritaram por causa de um abelheiro e o contexto que eu botei no filme foi por causa do morcego. O morcego tinha sido o outro, foram dois momentos de conflito dentro de uma casa abandonada: as abelhas e os morcegos. Só que se eu botasse os dois separados eles iam ficar insuficientes. Então eu preferi botar a questão do morcego. Eu não, o Bruno Carboni, que é o montador do filme. E isso tava bem claro pros atores que aconteceria. Eu não tô preocupado em contar a verdade, não é isso que me preocupa. Fazer as pessoas acreditarem naquilo como uma verdade fechada. Eu quero que elas acreditem, mas quero que acreditem a partir da viagem delas. E aí eu construo meu filme e no final tudo é ficção. É documentário, mas a maneira que a gente montou o filme... A gente constrói a história do jeito que a gente quer, sem nenhum pudor. Eu sempre defendi e falo pros meus alunos: documentário tem que ser parcial. Sou totalmente contra documentários imparciais, isso aí deixa pra reportagem de televisão. Tu tem que ir lá e mostrar tua teoria mesmo que ela seja a mais esdrúxula do mundo e ninguém acredite. O Michel Moore faz isso direto e as pessoas adoram. Então sempre numa conversa com uma pessoa tu impõe ou tenta fazer com que a pessoa acredite no teu ponto de vista, por que no cinema não vão fazer isso? Se eu defendo um cinema livre.


Chica - No início o projeto se chamava “Monte Vêneto” e tu concluiu ele como “Morro do Céu”. O que te motivou a fazer essas mudanças?



Tu também é curador da mostra Cine Esquema Novo que acontece em outubro, né? O que tu já pode adiantar das novidades deste ano?

Sim, as inscrições terminaram semana passada, dia 3 de julho. A gente teve cerca de 790 inscritos, sendo 54 longas... não sei bem porque a gente ainda está fazendo o levantamento... mas foi mais ou menos isso.
Bom, o Festival Cine Esquema Novo é de 17 a 24 de outubro na Usina do Gasômetro, Santander e CineBancários... A gente vai fazer um seminário... A gente quer fazer um lance também que a maioria dos festivais não fazem e a gente sempre se pergunta “Porque?”... tipo, um cara é convidado pra ser júri, então vamos aproveitar esse conhecimento do cara pra fazer outras coisas, como um seminário. Outros vão fazer oficinas, inclusive. Vai ter também uma amostra, as sessões da meia-noite com filmes de pessoas envolvidas no festival, inclusive, trabalhos ligados aos jurados e também se eles tiverem outros trabalhos como fotografias, uma instalação e tal... a gente quer fazer, diariamente, o que a gente vai chamar de “Hora Extra”... que é uma hora, entre as 18h e as 19h, entre uma sessão e outra, que as pessoas que tiveram seus filmes selecionados, curta ou longa, possam exibir qualquer outra coisa que tenham do seu trabalho.
Então, a gente quer aproveitar isso... o cara não vem só apresentar seu filme e passar os outros dias tomando cachaça... hehehe... cachaça se toma de noite... bah e tomam mesmo! Hehehehe

Mas a gente quer envolver os caras no festival como um todo, no dia-a-dia do festival, passar o dia todo fazendo o festival... e ai de noite nós vamos lá servir umas cachacinhas pra galera... hehehe.

Chica – Ah, eu vou estar lá certo!

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